“Nostalgia de Alfama”: Cartas Ficcionais de António dos Santos
by on Março 17, 2017 in De rua em rua

Querida Julieta,

As luzes anunciam outro fim de tarde. Mas isto não é o fim, muito longe disso. Sinto que a vida inicia em cada instante. Como se me tivesses ensinado isso e nascesse algo mais dentro de mim. Algo mais que eu ainda não posso ver.


Lembrei o teu rosto e todas as tuas palavras a cada toque do sino da Igreja de Santo Estevão. Ecoava uma saudade nas ruas que tanto amamos e que senti falta naqueles dias em que estive no mar. A mesma saudade que eu tenho em cada viagem, em cada partida do lugar a que chamamos casa. O azul claro torna-se intensamente escuro, mas ainda não é noite. Não sei como chamar essa sensação, tu saberás dizer-me em breve. Breve significa sempre alguma coisa prestes a chegar. Dou por mim ansioso que chegue.

Não sei como explicar a nossa brevidade, a nossa ternura. De cada vez que vou navegar, penso que não posso ficar sempre escondido nas palavras. Prefiro esperar e dizer tudo olhando o teu rosto.


Não sei qual o sentido de escrever tudo isto. Na verdade, quero apenas que saibas como foi bom conhecer-te e descobrir-te num mundo por vezes tão despojado de afectos e sentimentos. Talvez para que saibas que fazes falta nesse mundo.
Cada sorriso teu pode mudar uma guerra. É bom acordar e lembrar-te quando estou no mar, mesmo que estejas ausente de mim nesses momentos. Fazes-me querer ver o lado bom de mim e sei que acontece com todos os que se cruzam contigo. Devias sentir-te feliz por todas as tuas horas, sem importar o que faças ou o que ainda queiras fazer.


Já não sei como a gente se encontrou, mas, se foi bom como eu me lembro, espero encontrar-te todos os dias da minha vida. Para encheres a casa de todas as flores que te ofereço. Para me perguntares se já escrevi hoje. Para falares do mundo dos mundos onde vais passear. Para me mostrares todas as coisas simples que me ensinaste a ver em tudo.

Amo-te imensamente

                                                                                                                                                 

Do teu António

 

 

Ilustração: José Pedro Sobreiro

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Deixar uma resposta

2014 JamSession © All rights reserved.