Minha querida Julieta,
Tens de contar-me mais sobre os sonhos que deixaste escritos na última carta que enviaste. É fácil esquecermos tudo quando vivemos sempre a correr. Estou a guardar religiosamente tudo o que me escreves.
Para mim o tempo vai ficando cada vez mais lento ao navegar no Atlântico durante tantos meses. Tenho a sensação que as horas não existem, como se tudo o que tenho dentro de mim pudesse guiar-me no que vivo. Só existem a noite e o dia, nada mais.
Por muito que te sintas sozinha, como escreveste, a minha esperança não deixará de estar contigo. A convicção é a única forma plena de se estar vivo e tudo o resto existe apenas para nos relembrar como podemos seguir essa busca contínua daquilo que nos faz ser unidade com a natureza. Sabes que me fazes falta e eu sei que faço falta na vida que levas aí. Mas infelizmente não tive escolha.
Lembro-me tantas vezes da minha infância passada na rua 20 de Abril. Quando descia ao largo do Martim Moniz com a minha mãe para apanhar o eléctrico até à Graça e ouvíamos os pregões do amolador e do ardina. Aos domingos de manhã era sempre certo ir à missa com a minha avó na igreja do Socorro. As charretes iam e vinham pela avenida depois de longos passeios na cidade. As ruas não tinham distância, nem as casas.
Houve um dia que fui brincar para o largo ao cair da tarde e vi as floristas na praça a colocarem flores na lapela de alguns marinheiros que iam passando. Pensei naquele instante que um dia gostaria de andar no mar e conhecer o mundo. Pouco depois começou a chover e fui abrigar-me debaixo de uma árvore. O brilho do sol ainda se deixava ver por entre as nuvens e parecia levantar-se na água molhando as vidraças. Eram cores brilhantes nesses dias que pareciam mostrar como a felicidade é uma coisa simples. Talvez esteja a cumprir o meu desejo inicial e agora tenha de encontrar a felicidade em todas estas viagens.
Os sonhos são a única coisa que nos salva. O medo é a parte pior da nossa existência e a raiva não nos leva a lugar algum. Por favor, perdoa as vezes em que fui indelicado.
Ainda estou a aprender muitas coisas contigo, sabes? Ensinas-me tanto a ser melhor, a ver a parte melhor de mim. Ensinas-me a descobrir a minha compaixão.
Amo-te imensamente
Do teu António